Em 15/04/2020, no recurso de agravo de instrumento (TJRS - Comarca Porto Alegre - Nº 70084139260 (Nº CNJ: 0052285-62.2020.8.21.7000)) o desembargador relator Carlos Eduardo Zietlow Duro proferiu decisão monocrática reformando a decisão do juízo de primeiro grau para autorizar a convivência presencial da mãe com o filho durante pandemia covid-19.
Em síntese, o pai possui a guarda unilateral da filha e a mãe requereu que fosse oportunizada a readequação do convívio com sua filha no período da quarentena, sendo negado o pedido pelo juiz de primeiro grau.
Foi impetrado recurso no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul sustentando a genitora do menor que embora a gravidade do momento, não é admissível que a menor esteja privada de conviver com sua mãe, não havendo comparação entre o convívio virtual e o pessoal.
O relator desembargador Carlos Eduardo Zietlow Duro, em decisão monocrática, reformou a decisão do juízo de primeiro grau mantendo a convivência presencial da mãe com a filha durante pandemia covid-19.
Nas palavras do relator:
"Cabível a pretensão de visitação, não obstante o evento COVID 19, uma vez que a mãe certamente empreenderá todos cuidados que a etiqueta médica recomenda para preservar a saúde da criança.
Devida a adequada convivência da mãe e filha, de forma pessoal e não somente virtual para o período do COVID-19, já que a mãe permanecerá neste período na cidade de residência da criança.
Postas estas considerações, a fim de preservar a necessária convivência entre a mãe e filha, deve ser regulamentada a retirada da filha para sábados, alternados, pegando-a às 10 horas e devolvendo-a no domingo às 18:00 horas, conforme o pedido subsidiário.".
Em outro julgado, em 16/04/2020, no recurso de agravo de instrumento (Tribunal de Justiça Rio Grande do Sul - Comarca Porto Alegre - Nº 70084141001 (Nº CNJ: 0052459-71.2020.8.21.7000)) a relatora desembargadora Vera Lucia Deboni proferiu decisão monocrática mantendo na íntegra a decisão do juízo de primeiro grau que substituiu a convivência presencial do pai com o filho por virtual durante pandemia covid-19".
Em síntese, a mãe da criança possui a guarda unilateral do filho e requereu a suspensão da convivência paterna durante o período da pandemia covid-19, considerando a eventual exposição da criança com quatro anos de idade aos riscos inerentes à doença, sustentando a possibilidade de compensação das visitas oportunamente e de acordo com o melhor interesse do infante.
O juízo de primeiro grau acolheu o pedido da genitora, com a seguinte fundamentação:
"[..] Não há um manual regulamentando a co-parentalidade em tempos de covid-19, situação absolutamente extraordinária, uma crise de saúde pública sem precedentes, cujo potencial de letalidade não pode ser minimizado, especialmente, segundo informam epidemiologistas e infectologistas, nessa primeira fase anterior ao ápice da disseminação do vírus em Porto Alegre, que deverá ocorrer no mês de abril.
Nesse contexto, espera-se que os pais tenham sensibilidade para conjuntamente deliberar sobre o cumprimento das diretrizes das autoridades quanto à permanência em casa como melhor forma de prevenir o contágio pelo vírus SARS Cov-2 e conter sua disseminação.
Certo é que a responsabilidade pela saúde dos filhos é dos genitores, os quais devem considerar variados fatores de risco, como são o estado de saúde das crianças, o convívio com familiares idosos, a atividade laboral dos genitores em relação à probabilidade de contágio, distância e modalidade de deslocamento, dentre tantos outros aspectos.
O melhor modo de lidar com a situação é conversando francamente e expressando suas preocupações de forma transparente e honestamente voltada ao bem estar dos filhos. A prioridade nesse momento é fazer tudo que estiver ao seu alcance para evitar que seus filhos sejam expostos ao vírus.
À falta de entendimento entre os responsáveis, preconiza o CPC que o juiz deve designar uma audiência visando conciliar os interesses e necessidades de ambos os genitores e também dos filhos. Essa possibilidade está afastada por conta da diretriz do Tribunal de Justiça, que fechou os Foros e suspendeu a realização de audiências até 30 de abril, em face da crise que assola o estado ? Resolução n. 02?2020.
Tal é o contexto que admite sacrificar o cotidiano que se desfrutava antes da pandemia, seja como forma de proteção das crianças mesmas, pois que embora menos vulneráveis não estão imunes aos riscos da covid-19, seja para prevenir que, uma vez contaminadas as crianças, mesmo assintomaticamente, transmitam o vírus infectando seus familiares e impactando o conjunto da sociedade.
Isso é assim porque outros países que andam à nossa frente no trato da pandemia revelam a impossibilidade de dar atendimento ao elevado número de doentes que necessitarão de respiradores inexistentes em UTIs saturadas.
Pois bem, nesse estado de calamidade pública instalado, resta ponderar qual o bem da vida mais significativo: promover o contato físico entre pais e filhos submetendo ambos a risco de vida ou sendo possível adaptar a convivência parental para o modo virtual, preservando-se simultaneamente a exposição ao risco de contaminação e a convivência parental, ainda que na modalidade digital.
De resto, não fica afastada a hipótese de posterior compensação dos tempos de convivência, buscando-se um modo de resgatar os tempos agora sacrificados.
Contribui para essa reflexão o fato de que as escolas se encontram fechadas e ninguém há de desconhecer a relevância do estudo na vida das crianças. Tal condição, por si só, ilustra a excepcionalidade dos tempos que estamos vivenciando e seu impacto na infância, a justificar a adoção de medidas drásticas por parte das autoridades responsáveis.
Pode-se contrapor que eventuais deslocamentos são autorizados, portanto não há restrição aos deslocamentos inerentes ao convívio parental. De fato são autorizados deslocamentos visando o abastecimento de víveres ou medicamentos àqueles que se encontram confinados, bem como para o exercício de diversas atividades essenciais nesse momento de crise, notadamente aquelas afetas aos profissionais da saúde, que se encontram na linha de frente no enfrentamento da pandemia. São pessoas que não podem simplesmente estar recolhidas ao recesso do lar, quando os há, pois sua contribuição é considerada fundamental para o bem comum.
Na hipótese dos autos, a única razão a circulação das pessoas seria propiciar o contato físico entre pais e filhos, o qual pode ser adaptado para o convívio virtual. Assim, minimiza-se o risco de contágio e se garante o convívio parental, especialmente necessário às crianças nesse momento em que estão sob o impacto psicológico da pandemia.
Por todo o exposto, tenho que merece acolhida o pedido de suspensão do contato físico nos moldes requeridos, o que fixo até 30 de abril, preservando-se a convivência parental mediante contato virtual, que deverá ser disponibilizado diariamente em horário a ser ajustado entre as partes. [...]".
O pai, por sua vez, impetrou recurso no Tribunal do Rio Grande do Sul requerendo a reforma da decisão do juízo de primeiro grau alegando, em síntese, que a convivência na forma presencial não importará em risco para a criança, pois tomará todas as providências de proteção recomendadas, informando, inclusive, que o filho não fará uso de transporte público para deslocamento entre o domicílio da mãe e do domicílio do pai.
O pai ainda destacou os benefícios das visitas presenciais na medida que reside em uma casa que possui pátio para que a criança possa brincar, enquanto que a genitora reside em um apartamento.
O genitor relembrou ainda que visitas virtuais não suprirão a necessidade de convivência entre pai e filho.
Do exposto requereu, em pedido liminar, que fosse restabelecida a convivência paterna presencial e, ao final, sua confirmação, com o provimento do recurso.
A desembargadora relatora Vera Lucia Deboni da Sétima Câmara Cível do Tribunal do Rio Grande do Sul, em decisão monocrática, entendeu correta a decisão de primeiro grau ao estabelecer a convivência do pai com o filho por contato virtual diário, em horário a ser ajustado pelas partes, negando o provimento do recurso.
Nas palavras da desembargadora:
"[...] O decisum está em alinho com as determinações governamentais de isolamento social, em virtude da pandemia de covid-19, sendo prudente que a visitação presencial seja, por ora, suspensa.
Ainda que não haja qualquer indicação de que o agravante possa descumprir as determinações de isolamento social, deve-se ponderar, na atual conjuntura, não só a proteção à saúde de seu filho, um de apenas 4 anos de idade, mas, também, o interesse da coletividade em não alastrar a pandemia, com o que é prudente que a visitação presencial seja, no momento, desautorizada.
Nada obsta, contudo, que as partes, urbanamente e tomando os cuidados necessários e amplamente divulgados pelos órgãos de segurança, ajustem visitação presencial do genitor, desde que de forma esporádica.
Considerando, por outro lado, que a situação instalada se altera a cada dia, ressalto que nova regulação de visitas poderá ser feita pelo juízo de 1º grau, a qualquer tempo, relembrando que a decisão estipulou a visitação virtual até o dia 30/04/2020, apenas. [...]".
Minhas considerações
Como se nota há similitude fática dos casos com decisões monocráticas manifestamente antagônicas.
Para o relator Carlos Eduardo Zietlow Duro é cabível a pretensão de visitas presenciais, não obstante o evento COVID 19, uma vez que a mãe certamente empreenderá todos cuidados que a etiqueta médica recomenda para preservar a saúde da criança.
De outro lado, em pese conste no voto da relatora Vera Lucia Deboni que o pai do menor tenha argumentado que estava tomando todas as providências de proteção recomendadas, informando, inclusive, que o translado da casa materna à casa paterna ocorre em veículo particular, a argumentação posta não foi suficiente para garantir a manutenção das visitas presenciais.
No meu entender, o juiz tem o dever de pesquisar se já houve pronunciamento judicial sobre o tema submetido a julgamento em atenção ao art. 926 do CPC cujo espirito normativo determina que aos tribunais cabe uniformizar sua jurisprudência para mantê-la estável, íntegra e coerente, o que não ocorreu nos casos analisados, sobretudo, quando se verifica decisões antagônicas da mesma Câmara Cível.
Respeitado o voto de cada relator, as decisões antagônicas causam insegurança jurídica, renovando a máxima da jurisprudência lotérica, o que se busca evitar com o advento do Código de Processo Civil.
De outro lado, é possível até mesmo firmar uma linha de pensamento de aparente discriminação de gênero enrraigada em nossa cultura em aceitar homens e mulheres como iguais em relação à parentalidade, em que pese disposta constitucionalmente a busca pela igualdade desde 1988 na Constituição Federal (art. 5º I e art. 226, § 5º).
O que se espera no direito de família é que as decisões proferidas salvaguardem o melhor interesse da criança, o que não restou devidamente demonstrado diante das decisões manifestamente antagônicas entre si.
Fonte: Tribunal de Justiça Rio Grande do Sul - Comarca Porto Alegre - Nº 70084139260 (Nº CNJ: 0052285-62.2020.8.21.7000)
Fonte: Tribunal de Justiça Rio Grande do Sul - Comarca Porto Alegre - Nº 70084141001 (Nº CNJ: 0052459-71.2020.8.21.7000)
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