Dúvida surge quanto ao descumprimento do regime de visitas pelo pai da criança. Nesse cenário, o que a mãe pode fazer quando o pai descumpre a decisão judicial que fixou o regime de visitas?
Na minha opinião, esse tipo de comportamento não é justo com a criança, tão pouco com a genitora.
No que toca os interesses da criança, gera frustração, tristeza, até mesmo raiva, justamente porque ela está feliz da vida que vai ficar com o pai em um determinado dia ou final de semana e esse sentimento é dilacerado diante do cenário que o genitor não aparece ou se atrasa demasiadamente, sem qualquer justificativa.
No que toca aos interesses da genitora, não é justo que a mãe fique à mercê da vontade do pai que deseja aparecer na casa dela a hora que ele quiser e, ainda, exigir o direito de retirar o filho fora do horário ou dia pré-estabelecido para satisfazer o exercício da convivência entre eles.
Oras, a mãe pode ter um compromisso, pode ter se programado para sair e diante desse desastroso comportamento do genitor, a mãe é obrigada a se reorganizar e, eventualmente, até mesmo abrir mão do compromisso previamente agendado.
Enfim, diante do cenário apresentado, o mais adequado inicialmente é produzir provas para um futura ação judicial que demonstrem que o pai não respeita os horários e/ou os dias de busca e entrega da criança.
A prova mais comum para registrar que o pai está descumprindo a decisão judicial é uma comunicação escrita. Esta comunicação escrita pode ser por email, whatsapp ou até mesmo notificação extrajudicial.
Em outras palavras: o importante é que a genitora produza uma prova de que o pai ficou ciente de que ele descumpriu a ordem judicial e esse desrespeito não passou despercebido, tão pouco consentido pela genitora.
Aliás, a mãe deve produzir esse tipo de prova toda vez que houver o descumprimento do regime de visitas regulamentado judicialmente.
De posse dessas provas, a mãe deve entregar ao advogado. O advogado, por sua vez, irá ajuizar uma ação específica e requerer a aplicação de multa por cada descumprimento do genitor.
Jurisprudência favorável à aplicação de multa
APELAÇÃO – AÇÃO DE REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS. FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. Pretensão de fixação de multa para o caso de descumprimento do regime de visitas acordado entre as partes. Sentença de extinção, por falta de interesse de agir e ilegitimidade ativa. Insurgência da exequente. Acolhimento. Legitimidade ativa da mãe, como guardiã das crianças, de figurar no polo ativo da ação que visa compelir o executado a cumprir o regime de visitas. Descumprimento admitido pelo pai, cuja motivação seria o seu novo trabalho, o que levou a sucessivos atrasos para a retirada dos menores. Necessidade de fixação de multa, ressalvado o ajuizamento de ação própria para rever o regime de visitação vigente. Sentença reformada para determinar que o pai cumpra o horário de retirada dos filhos, pena de multa de R$ 100,00 por dia de descumprimento. Recurso provido, invertidos os ônus sucumbenciais.
(TJ-SP - AC: 00014240220188260405 SP 0001424-02.2018.8.26.0405, Relator: Costa Netto, Data de Julgamento: 31/03/2021, 6ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 31/03/2021)
No entanto, cumpre ressalvar que existem alguns juízes que entendem que não é possível a aplicação de multa em razão desse tipo de descumprimento patrocinado pelo pai da criança.
Jurisprudência desfavorável à aplicação de multa
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS. INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE APLICAÇÃO DE MULTA PELO DESCUMPRIMENTO DAS VISITAS. 1. Não cabe imposição de multa pecuniária por eventual descumprimento de parte da genitora, já que o interesse em disputa transcende a questão meramente econômica, situando-se no plano do direito do filho de conviver com o genitor. 2. A regulamentação de visitas materializa o direito do filho de conviver com o genitor não-guardião, assegurando o desenvolvimento de um vínculo afetivo saudável entre ambos, devendo ser resguardado sempre o melhor...
(TJ-RS - AI: 70047324876 RS, Relator: Roberto Carvalho Fraga, Data de Julgamento: 25/07/2012, Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 31/07/2012)
Com efeito, em que pese a jurisprudência destacada seja controversa sobre a aplicação de multa por descumprimento das visitas, existe uma tendência dos Tribunais a seguirem o posicionamento da primeira jurisprudência, admitindo a aplicação de multa pelo descumprimento da decisão judicial que fixou o regime de convivência.
Outra dúvida que surge é se a genitora pode se negar a entregar o filho diante do cenário apresentado, qual seja: existe uma decisão judicial com dias e horários de busca e entrega da criança ao pai já definidos, mas o genitor não cumpre, desrespeita.
Salvo melhor juízo, a genitora não está deixando de entregar o filho porque ela não quer. Presumo que exista uma justificativa para isso.
Oras, pode ser que a criança tenha dormido em razão do tardar da noite, aguardando o pai aparecer que sequer justificou o atraso.
Pode ser que a criança saiu com a mãe por conta do pai não ter retirado o filho no dia e na hora previamente fixada na sentença.
No meu sentir, nem a mãe, tão pouco o filho são obrigados a se submeterem à vontade do pai que deseja exercer o direito de visitas da forma como lhe aprouver, em flagrante descumprimento da sentença judicial.
Nessa ordem de ideias, não me parece que esse tipo de conduta dê azo à argumentação de prática de alienação parental, pois foi o pai quem descumpriu aquilo que foi judicialmente fixado.
De outro lado, pensando sob a perspectiva do genitor, pode ser que o pai tenha mudado de emprego, de residência, não tenha mais veículo próprio, enfim, os cenários são variados, mas nesse cenário em que, por força alheia à vontade do genitor, ele não consegue cumprir com exatidão o regime de visitas estabelecido judicialmente, surge o direito dele ajuizar uma ação de revisão do regime de convivência para adequação dessa nova realidade.
Portanto, no caso em que o modelo de convivência não mais se adequa à realidade entre o pai e o filho, ele tem que contratar um advogado para ajuizar uma ação de revisão de regulamentação de visitas, sempre observando e respeitando a rotina do filho.
Por fim, e não menos importante, quando o pai deixa de conviver com o filho de forma definitiva, estamos diante do que os operadores de direito chamam de abandono afetivo.
O abandono afetivo significa ausência dos deveres de sustento, guarda e educação do pai ou da mãe na vida da criança ou do adolescente.
Jurisprudência sobre abandono afetivo
DANO MORAL. ABANDONO AFETIVO. Espontaneidade do afeto que não se confunde com o dever jurídico de cuidado, decorrente da relação paterno-filial. Caracterização de abandono afetivo. Elementos de informação constantes dos autos demonstram que o réu deixou, voluntariamente, de conviver com o filho menor, causando-lhe prejuízos de ordem extrapatrimonial. Réu revel, que mora próximo à residência do filho, mas não o visita e nem paga alimentos regulares. Desnecessidade da produção de prova pericial para constatar o mal que tal comportamento causa à criança de 7 anos, reatado por testemunha e pela própria genitora. Devida a fixação de indenização por danos morais no valor de R$ 15.000,00, a fim de reparar o sofrimento comprovadamente causado ao demandante. Ação procedente. Recurso provido.
(TJ-SP - AC: 10172226320198260562 SP 1017222-63.2019.8.26.0562, Relator: Francisco Loureiro, Data de Julgamento: 10/09/2021, 1ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 10/09/2021)
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