De início, oportuno pontuar que a guarda judicial quer dizer um conjunto de poderes e deveres outorgados pelo Poder Judiciário preferencialmente aos genitores do filho para que, em conjunto ou separadamente, salvaguarde todos os direitos da criança e do adolescente.
A legislação brasileira dispõe de dois tipos de guardas: a guarda unilateral e a guarda compartilhada.
A guarda unilateral é aquela em que, geralmente, um genitor é escolhido como guardião do filho e, por essa razão, ele tem direito de tomar decisões unilaterais em prol do melhor interesse da criança. Além disso, a guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos. Já a guarda compartilhada tem como principal objetivo garantir que ambos os genitores tomem decisões conjuntas em prol do melhor interesse da criança.
A legislação ainda estabeleceu que na guarda compartilhada o pai e a mãe devem conviver com o filho de forma equilibrada.
Apesar da ausência da imposição de moradia única, a lei prevê que quando os pais residem em cidades distintas, a base da moradia será a que melhor atende ao interesse dos filhos.
Artigo de lei:
(Código Civil)
Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada. (Redação dada pela Lei nº 11.698, de 2008).
§ 1º Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5º ) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns. (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008).
§ 2º Na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos. (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)
I - (revogado); (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)
II - (revogado); (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)
III - (revogado). (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)
§ 3º Na guarda compartilhada, a cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor atender aos interesses dos filhos. (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)
§ 4º (VETADO) . (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008).
§ 5º A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos, e, para possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos. (Incluído pela Lei nº 13.058, de 2014)
E a partir deste dispositivo de lei surgem algumas dúvidas:
A regra da pluralidade de domicílios na guarda compartilhada só será afastada quando os pais residirem em cidades diferentes?
E quando os pais residem na mesma cidade, no mesmo bairro ou em bairros próximos?
Por que fixar um lar de referência para a criança?
Enfim, essas dúvidas ainda persistem até hoje em dia e quando se analisa a jurisprudência do Tribunal, encontra-se de forma majoritária a fixação de uma base de moradia única para a criança mesmo em situações em que a os genitores residem na mesma cidade, no mesmo bairro ou em bairros próximos.
No entanto, parece que esse tipo de entendimento está perdendo força. De um tempo para cá, tem aparecido com certa frequência decisões judiciais fixando o lar de referência duplo para a criança.
Inclusive, uma matéria do IBDFAM publicada em março/2022 disponibilizou uma decisão da o juízo da 3ª Vara de Família do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que fixou guarda compartilhada com dupla residência na ação em que a mãe da criança buscava a guarda unilateral com regulamentação da convivência paterna.
Trecho da matéria "TJRJ garante guarda compartilhada com dupla residência em nome do melhor interesse da criança":
[...] Inicialmente, o juiz deferiu tutela parcial requerida pelo genitor, autorizando o convívio aos fins de semana de forma quinzenal. O homem interpôs agravo de instrumento, ao qual foi negado provimento.
O laudo social determinou que não havia nenhum impedimento para o exercício da convivência paterna e a ampliação desta. [...] na sentença foi estabelecido o convívio equilibrado a ser realizado de forma alternada.
Desse modo, a criança, agora com 4 anos de idade, irá permanecer com cada genitor por uma semana inteira.
Outro julgado, da 2ª Vara da Família de Taquara também do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, disponibilizada em agosto/2021, também no mesmo sentido, qual seja: fixação de guarda compartilhada com lar de referência duplo para a criança:
"A genitora pediu socorro ao Poder Judiciário, para que fosse determinada a atuação do genitor na criação e educação dos filhos, vez que este permanece omisso e pouco participativo da rotina e necessidades dos menores, mesmo diante das súplicas da genitora e ciente das saudades e vontade de maior convívio manifestada pelos filhos. [...] E isso o Estado Juiz não pode permitir, cabendo-lhe chamar o pai às responsabilidades que lhe competem e determinar que exerça a paternidade de modo responsável. [...] Assim, a guarda compartilhada na forma alternada, como pretendida, atenderá o melhor interesse dos menores, que voltarão a conviver amplamente com ambos os genitores, sendo a ampla convivência com os pais fator imprescindível para que a criança obtenha formação moral, espiritual e social e se torne um adulto responsável. [...] Apenas há que se ressaltar que, considerando a distância entre as residências materna (Jacarepaguá) e paterna (Leblon), a permanência dos menores por 15 dias na residência paterna poderá, inicialmente, dificultar as atividades dos menores. Por esta razão, parece-me mais adaptável aos menores que a convivência quinzenal paterna seja ampliada, devendo o genitor pegar os filhos na quarta-feira, na saída da escola, permanecendo com eles, quinta, sexta, sábado e domingo, devolvendo-os na segunda-feira na escola." (Processo nº 0031034-68.2017.8.19.0203, j. 03/08/2021. juíza: Gisele Silva Jardim)
No Estado de São Paulo, um julgado disponibilizado em julho/2020 também se destacou reconhecendo a importância da guarda compartilhada com duas residências. Destaque para os seguintes trechos:
"[...] Também não foi prevista no Direito positivo brasileiro a chamada 'guarda alternada': nela os genitores se sucedem, de forma alternada, no exercício exclusivo das responsabilidades parentais. Em outras palavras, na guarda alternada tem-se sucessivas guardas unilaterais ou exclusivas, exercidas pelo genitor que estiver com a custódia física naquele período. Afora a inexistência de previsão legal, penso que esse tipo de guarda não atende ao princípio do melhor interesse da criança, pois, além da mudança constante de residência, deixa a criança confusa, sem saber a que autoridade parental deve respeito, o que interfere nos seus hábitos, valores e padrões de vida. O que é bem diferente da guarda compartilhada com duas residências, onde o compartilhamento efetivo da autoridade parental incute na criança o sentimento de pertencimento a dois lares, afastando o paradigma do filho 'mochileiro', que passa a vida a transitar entre a 'casa do pai' e a 'casa da mãe'. [...] No Brasil, especialmente após a edição da Lei 13.058/2014, essa subespécie de guarda compartilhada, com duas residências, passou a ser chamada de guarda alternada, o que constitui grave equívoco, repetido de forma irrefletida em inúmeras decisões judiciais e artigos doutrinários, o que só contribui para reforçar o estigma que existe em relação à fixação de duas residências. [...] Finalmente, registro minha incompreensão em relação às duras críticas que tal modelo de convivência tem recebido na doutrina e na jurisprudência. Costuma-se repetir, sem qualquer embasamento empírico, que esse regime é prejudicial ao desenvolvimento da criança. Trata-se de um estereótipo bastante sedimentado entre nós e que faz com que pouquíssimas residências simultâneas sejam fixadas pelo Judiciário brasileiro. E pior do que isso, o que assume exponencial gravidade, é a existência de decisões judiciais que se negam a homologar acordos consensuais em que os pais acordaram a divisão de residências." (Processo 1012237-71.2018.8.26.0114)
Por fim, quando se analisa a doutrina sobre o tema base de moradia dupla para criança e o adolescente, parte da doutrina vai mais além e entende pela aplicabilidade do lar de referência duplo mesmo nos casos em que os pais vivem em cidades diferentes.
Esses jurístas entendem que as crianças ou adolescentes terão sempre dupla residência, considerando ser seus domicílios qualquer uma delas, ainda que localizadas em diferentes cidades, uma vez que o poder familiar é partilhado conjuntamente pelos genitores, notadamente no que tange à representação e assistência do filho, o que atrai a regra contida no art. 76, parágrafo único, do Código Civil, que afirma que o domicílio necessário do incapaz é o dos seus representantes legais.
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