No caso, o homem passou a conviver com a mãe do jovem quando ela estava no sexto mês de gravidez e, desde então, auxilia na sua criação. Agora ele pedia o direito de adotar o filho de sua companheira, que não possui filiação paterna em seu registro civil. A genitora e o jovem concordaram com a adoção.
Conforme a decisão, a adoção está de acordo com o que prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei 8.069/90) segundo o qual a adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos. "Apresenta vantagens para o adotando na medida em que torna de direito uma situação de fato. Do depoimento do adotando, vê-se que ele tem o requerente como seu pai. Afinal, vive com o autor desde que nasceu – há 16 anos, estando já adaptado à convivência com o mesmo".
Para a magistrada que julgou o caso, Luciane Buriasco Isquerdo, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), o afeto prevaleceu sobre o julgamento moral. Isso porque, de acordo com o parecer do Ministério Público, a adoção não deveria ocorrer, pois o pretendente a pai foi condenado por tráfico. Segundo ela, neste caso a adoção já estava "pronta", com o vínculo afetivo consolidado. No entanto, o caso seria diferente se o homem estivesse pretendendo ser habilitado para adoção.
"A discussão levantada no parecer era de se a Justiça pode ou não deixar um traficante adotar, e um traficante que envolveu esse adolescente no comércio da droga. É por certo reprovável a conduta e moralmente inadequado o pretendente à adoção, tanto que eu não o habilitaria à adoção, já que quando da habilitação tenho que aprovar 'bons' pais a crianças que não o escolheram e, sim, a Justiça. Mas no caso dos autos, a adoção estava pronta, o adolescente o tem por pai desde que nasceu. E mesmo que eu negasse o pedido seguiria tendo-o, sem direitos como auxílio reclusão ou pensão alimentícia", diz.
Luciane afirma que eventual dano à formação desse jovem, por conviver com um traficante, já aconteceu. O jovem afirmou, em seu depoimento, que reconhece apenas o adotante como pai, e deseja ter o seu nome em seus documentos. “Criminosos também amam. Nesse caso, tanto o pai ama o filho como o filho ao pai. E isso prevaleceu ao meu julgamento pessoal de que esse pai não fosse um bom pai. Insisti bastante com o adolescente em seu depoimento, para ver se havia mesmo afeto, mesmo com toda essa situação do processo criminal”, conta.
Para a magistrada, o afeto prevalece a qualquer julgamento moral que se possa fazer da constituição de uma família. “As partes têm o direito de constituir famílias que eu pessoalmente não constituiria, mas não lhes posso negar que o façam, nem as consequências disso. Devo ter em conta os valores das partes envolvidas, o diálogo travado entre elas, tanto nas causas de família, pensão por morte, como criminais. Este tem sido meu posicionamento”,
Perda do poder familiar não afasta deveres e direitos de paternidade reconhecida - Para a advogada Melissa Telles Barufi, presidente da comissão nacional de infância e juventude do IBDFAM, a decisão reconheceu uma situação já existente de fato. Segundo ela, a decisão é importante, principalmente, para assegurar ao jovem todos os direitos inerentes ao estado de filiação.
"A paternidade socioafetiva já existe, e foi consolidada desde o nascimento do menino. Assim, a adoção vem para regularizar a relação entre pai e filho, bem como para auferir todos os direitos oriundos do estado de filiação e os deveres oriundos do poder familiar", diz.
No entanto, explica Melissa, deverá ser verificado, posteriormente, se não seria o caso de suspender o poder familiar desse pai que está cumprindo pena, visto que, o artigo 1.637 do Código Civil estabelece: suspende-se igualmente o exercício do poder familiar ao pai ou à mãe condenados por sentença irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão. “Portanto, deverá ser verificado, num segundo momento, se não seria o caso de suspender o exercício do poder familiar, enquanto o pai estiver preso”, ressalta.
Ela destaca que mesmo não exercendo o poder familiar, caso haja suspensão ou destituição posterior, o reconhecimento da paternidade garante que o pai terá obrigações com o filho. “Uma futura destituição de poder familiar - pelo devido procedimento legal - não cessará, por exemplo, o direito a alimentos do jovem adotado, e também não extinguirá os direitos sucessórios do menino em relação ao pai. O pai sim perde os direitos sobre o filho. Isso porque, a extinção do poder familiar não extinguirá com o parentesco, permanecendo assim o dever de prestar alimentos pelo vínculo de parentesco, e o direito sucessório do filho em relação ao pai, conforme entendimento doutrinário”, diz.
O jovem terá o nome do pai e avós paternos nos documentos pessoais.
Fonte: IBDFAM
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