É muito comum que, diante do avanço da idade ou de uma doença como o Alzheimer, os filhos assumam os cuidados da mãe ou do pai. Passam a administrar contas bancárias, contratar cuidadores, realizar pagamentos e, em alguns casos, até cogitam vender um imóvel para custear despesas médicas ou de moradia.
Mas será que isso tudo pode ser feito sem uma interdição formal? E se outros filhos discordarem? Quais os riscos para quem cuida do idoso e toma essas decisões por conta própria?
Neste artigo, explico os limites legais dessa situação e os cuidados que precisam ser tomados para evitar conflitos familiares, questionamentos do Ministério Público e, principalmente, problemas judiciais no futuro.
O Que É a Interdição e Por Que Ela É Tão Importante?
A interdição é um processo judicial que reconhece que uma pessoa não tem mais condições de cuidar da própria vida ou do próprio patrimônio, por motivo de doença ou deficiência. A partir dela, é nomeado um curador, que passa a ser o representante legal do interditado para atos como movimentar conta bancária, vender imóvel ou contratar serviços.
No caso de pessoas diagnosticadas com Alzheimer, por exemplo, mesmo que ainda tenham momentos de lucidez, a progressão da doença costuma justificar a necessidade de interdição, especialmente quando há patrimônio envolvido.
Sem esse processo, nenhum filho tem legitimidade jurídica para agir em nome da mãe ou do pai, mesmo que esteja cuidando dele no dia a dia.
Posso Usar o Cartão Bancário da Minha Mãe Sem Ser Curador?
Muitas famílias mantêm contas bancárias conjuntas entre mãe e filho, por exemplo. O filho saca o dinheiro, paga contas, compra alimentos, tudo “em nome da mãe”.
Essa prática é muito comum — mas também perigosa do ponto de vista jurídico.
Se não houver curatela e autorização judicial, o uso do dinheiro da mãe pode ser questionado pelo Ministério Público, por irmãos ou até em uma ação judicial futura. Mesmo que a intenção seja boa, a falta de formalização pode gerar a presunção de apropriação indevida de valores.
Além disso, o titular da conta continua sendo a mãe. Se ela for considerada incapaz e não houver curador nomeado, qualquer movimentação pode ser contestada judicialmente — e quem está sacando o dinheiro pode ser obrigado a prestar contas ou até responder por crime, dependendo do caso.
E Se Eu Precisar Vender um Imóvel da Minha Mãe?
A venda de imóveis exige que o proprietário esteja em pleno gozo de sua capacidade civil. Se houver suspeita de demência ou Alzheimer, é muito provável que o tabelião se recuse a lavrar a escritura, ou solicite laudo médico, justamente para evitar fraude ou anulação futura.
Se a mãe estiver incapacitada, a venda só poderá ser feita com autorização judicial, dentro de um processo de curatela, após nomeação do curador e prestação de contas.
Procuração simples não resolve. Mesmo com uma procuração registrada em cartório, o uso indevido pode ser caracterizado como abuso de mandato ou apropriação indébita, se os recursos forem utilizados para fins pessoais.
Quem Deve Pagar os Cuidadores? Posso Ser Empregadora em Nome da Minha Mãe?
Se a mãe é a pessoa atendida pelos cuidadores ou enfermeiros, é o patrimônio dela que deve arcar com essa despesa. Inclusive, é o nome da mãe que deve constar como empregadora no contrato de trabalho, ainda que ela seja formalmente representada pelo curador.
Nesse caso, a curadora atua apenas como representante legal nos atos da vida civil. Ela não responde pessoalmente por eventuais ações trabalhistas, salvo em hipóteses excepcionais de abuso de função ou desvio de finalidade.
E Se Meus Irmãos Não Me Ajudam? Posso Obrigar a Dividir os Custos ou os Cuidados?
Muitas pessoas que cuidam de seus pais idosos enfrentam um dilema: a responsabilidade recai toda sobre um filho, enquanto os demais se afastam, ignoram ou simplesmente alegam que "não têm tempo". Surge, então, a pergunta: posso obrigar meu irmão ou irmã a ajudar?
Do ponto de vista jurídico, há sim meios para forçar a contribuição financeira, por meio de uma ação de alimentos em favor do idoso (art. 1.696 do Código Civil). O juiz pode determinar que todos os filhos contribuam, proporcionalmente à sua capacidade econômica.
Mas quando se trata de cuidar fisicamente do pai ou da mãe, de conviver, visitar, levar ao médico, zelar no dia a dia, o direito encontra limites práticos e éticos. É semelhante ao que ocorre quando um pai não quer conviver com o filho: embora seja possível acionar o Judiciário, pedir cumprimento do regime de visitas e até multa por descumprimento, a verdade é que não se pode obrigar alguém a exercer o afeto.
O mesmo se aplica ao cuidado com idosos. É possível judicializar a ausência de cuidado? Sim, em tese. Mas isso é saudável? Imagine obrigar um filho que não tem estrutura emocional, física ou sequer vontade, a cuidar de um pai doente. O que pode acontecer é esse filho simplesmente cumprir a obrigação da pior forma possível: terceirizando os cuidados, deixando o idoso em uma casa de repouso apenas para “cumprir tabela” ou evitar multa judicial.
Mais do que forçar presença física, o ideal é pensar em formas de responsabilização financeira, proteger o idoso por meio de curatela, dividir tarefas com outros parentes e, sempre que possível, envolver profissionais e instituições especializadas. O afeto, infelizmente, o direito ainda não conseguiu garantir por decisão judicial.
A Interdição Não É Um Ato de Punição. É Proteção
Muitos filhos evitam interditar os pais por medo, culpa ou para evitar conflitos. Mas a verdade é que a interdição protege tanto a pessoa incapaz quanto quem cuida dela.
Sem curatela, qualquer atitude pode ser mal interpretada. Com curatela, há respaldo legal, transparência e proteção jurídica.
Conclusão
Se você cuida de um pai ou uma mãe que já apresenta sinais de demência, Alzheimer ou outra condição que limita sua autonomia, buscar orientação jurídica é o primeiro passo para evitar problemas futuros.
A interdição é um instrumento de cuidado — e não de abandono. Formalizar a situação é garantir que você possa continuar ajudando com tranquilidade, sem medo de ser acusado injustamente ou de causar um prejuízo irreparável à pessoa que você ama.
AVISO LEGAL: Este artigo fornece apenas informações genéricas e não pretende ser aconselhamento jurídico e não deve ser utilizado como tal. Se você tiver alguma dúvida sobre seus assuntos de direito de família, entre em contato com o nosso escritório.