Introdução
A evolução das estruturas familiares reflete as mudanças nas relações interpessoais da sociedade moderna. Com a crescente aceitação da multiparentalidade, questões legais complexas vêm à tona, exigindo uma abordagem jurídica que equilibre princípios tradicionais com novas realidades familiares.
Multiparentalidade: Definição e Desafios Legais
A multiparentalidade permite que uma criança tenha legalmente mais de um pai ou mãe registrados em seu nascimento.
Esse conceito, embora moderno, responde ao crescente reconhecimento da importância dos laços afetivos sobre os biológicos.
No entanto, desafia princípios legais estabelecidos, exigindo dos profissionais do direito uma interpretação inovadora e sensível das normas.
Princípios Jurídicos em Jogo
Três princípios fundamentais sustentam a aplicação da multiparentalidade no Direito de Família:
-
Afetividade: A relação emocional prevalece como a base do vínculo familiar.
-
Dignidade Humana: Cada membro da família é reconhecido em sua integralidade e valor.
- Superior Interesse da Criança: Garante que todas as decisões promovam o bem-estar e o desenvolvimento da criança.
Casos Emblemáticos
Em um caso emblemático, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais proferiu uma decisão que reforça a noção de família contemporânea ao manter o nome do pai registral no documento de nascimento da criança, sem excluir sua presença em favor do vínculo parental consanguíneo.
(...) O artigo 1.593 do Código Civil reza que: "O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem". Nestes termos, não resta dúvida de que a legislação permite a consolidação de vínculo material e paternal com base em critérios diversos do biológico. A doutrina e jurisprudência vêm consagrando o entendimento no sentido de que a paternidade socioafetiva, embora não seja positivada, é hábil a ensejar o reconhecimento do vínculo de filiação, ainda que destoante da realidade biológica. (...) No mesmo sentido, em julgamento do Tema 622, o STF fixou a tese da multiparentalidade com o reconhecimento da possibilidade de relações de parentesco distintas, além da biológica. Dessa forma, o reconhecimento de paternidade socioafetiva exige que a relação familiar existente advenha de convivência pautada em aspectos afetivos. No caso em tela, analisando as provas produzidas, em especial o relatório social, fica evidente a presença do vínculo socioafetivo existente entre a menor e o pai registral, (...) (TJ-MG - Agravo de Instrumento: 3237601-65.2023.8.13.0000, Relator: Des.(a) Élito Batista de Almeida (JD Convocado), Data de Julgamento: 08/04/2024, Câmara Justiça 4.0 - Especiali, Data de Publicação: 09/04/2024)
Em outra decisão notável, a Justiça de São Paulo confirmou a importância dos laços afetivos na constituição das famílias. Este caso ilustra uma tendência moderna no Direito de Família que enfatiza a afetividade sobre a biologia na definição de paternidade.
(...) preceitua, ainda, o Estatuto da Criança e do Adolescente que 'o reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de justiça' (art. 27). Dentro deste fundamento, alguns doutrinadores modernos do direito das famílias, indicam o princípio da afetividade deve prevalecer entre as relações familiares, retirando-se a ideia de que a paternidade deve ser estritamente biológica. (...) Feitas tais considerações, no caso em apreço, o vínculo de afetividade existente entre o requerente e os menores restou demonstrada pelas fotografias (...), observando-se que o reconhecimento da paternidade socioafetiva conta com a anuência da genitora biológica (...), bem como declaração de testemunhas assinadas de próprio punho (...). Por derradeiro, verifica-se que o laudo psicossocial reconheceu o exercício da parentalidade do requerente em relação às crianças. Considerou ainda que o reconhecimento da paternidade socioafetiva 'paternidade socioafetiva atende ao princípio do melhor interesse das crianças, sobretudo no que se refere à garantia de direitos, tais como pensão alimentícia, guarda, visitação, ausência de discriminação entre os filhos e benefícios previdenciários resultantes do efeito jurídico da parentalidade socioafetiva' (...). Deste modo, a procedência da demanda é medida de rigor (...) (TJ-SP - Sentença: 1003319-62.2021.8.26.0441, Juiz: Guilherme Pinho Ribeiro, Data de Julgamento: 19/12/2022, 1ª Vara - Peruíba-SP)
Estes julgamentos representam um avanço significativo na jurisprudência brasileira, consolidando o reconhecimento da multiparentalidade e enfatizando a proteção dos laços afetivos estabelecidos entre pais e filhos, independentemente dos laços biológicos.
Conclusão
À medida que a sociedade evolui, também deve evoluir nosso entendimento e aceitação das diversas formas de família.
A multiparentalidade não é apenas uma questão legal, mas um reconhecimento da rica tapeçaria de relações que define o moderno tecido social.
AVISO LEGAL: Este artigo fornece apenas informações genéricas e não pretende ser aconselhamento jurídico e não deve ser utilizado como tal. Se você tiver alguma dúvida sobre seus assuntos de direito de família, entre em contato com o nosso escritório.