De igual modo a lei também garante a impenhorabilidade de bem imóvel na hipótese deste bem ser reconhecido como bem de família.
Cláusula de inalienabilidade quer dizer que o doador / testador deseja que o beneficiário do bem não disponha da coisa recebida, ou seja, a inalienabilidade gera a indisponibilidade do bem que não poderá ser alienado, nem a título oneroso, nem a título gratuito, logo, o beneficiário do bem fica impedido de vender, doar, permutar ou dar em pagamento aquele bem e, como consequência, o bem fica também impenhorável e incomunicável. Ou seja, via de regra, ele terá direito de usar, gozar e reivindicar o bem, mas não terá direito alienar a propriedade para outrem.
Já a cláusula de incomunicabilidade significa dizer que o bem não integra a comunhão de patrimônio da pessoa beneficiada, ou seja, o bem permanecerá somente no patrimônio do beneficiado. Este tipo de cláusula também é comumente utilizada para proteger o beneficiário do bem de um futuro divórcio, por exemplo.
Por fim, a cláusula de impenhorabilidade significa dizer que o bem será impenhorável por credores de qualquer natureza, ou seja, o bem não pode ser objeto de penhora.
Cumpre esclarecer que penhora de bens quer dizer apreensão do bem do devedor, por mandado judicial, para pagamento da dívida ou da obrigação executada.
Nesse sentido, um imóvel recebido em testamento ou doação gravado com cláusula de impenhorabilidade não poderá ser penhorado por dívida do beneficiário (novo proprietário). De igual modo, o bem imóvel de família, por força de lei, é impenhorável.
Além disso, oportuno também esclarecer que a cláusula de inalienabilidade imposta aos bens por ato de liberalidade no testamento ou doação, implica impenhorabilidade e incomunicabilidade.
Feito esses esclarecimentos iniciais, dúvida surge quando estamos a tratar de bem imóvel suntuoso, ou seja, bem luxuoso e também que exige muito dispêndio de dinheiro.
Em outras palavras: mostra-se razoável admitir que o beneficiário do bem imóvel com cláusulas restritivas mantenha o direito de residir em imóvel de alto padrão, empregando seu patrimônio em um único e suntuoso bem beneficiado por cláusula de impenhorabilidade, quando é devedor de crédito trabalhista, de natureza alimentar?
Ou ainda, mostra-se razoável admitir que o beneficiário do bem imóvel com cláusulas restritivas mantenha o direito de residir em imóvel de alto padrão, quando este beneficiário possui dificuldades e insuficiência de recursos para seu próprio sustento e de sua família?
Mais: e se esse imóvel também for considerado bem de família, ou seja, revestida a impenhorabilidade por lei criada cuja finalidade se propõe a proteger a entidade familiar, com intuito de que o bem seja preservado sobre o aspecto da sua integração na estrutura familiar.
Sobre o tema, a jurisprudência tem reconhecido a relativização das cláusulas restritivas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade de imóvel.
No primeiro semestre de 2021, o Tribunal Regional do Trabalho da primeira região reconheceu que a natureza alimentar do crédito trabalhista prevalece sobre a impenhorabilidade prevista na Lei nº 8.009/90 cuja lei estabelece a impenhorabilidade do bem imóvel reconhecido como bem de família.
De acordo com o acórdão disponibilizado "O fato de alguém ser devedor de outrem não é razão o suficiente para permitir que o Estado retire do seu patrimônio bens sem os quais não se pode permitir a manutenção da vida familiar, pois à família é assegurada a proteção especial do Estado, consoante mandamento constitucional insculpido no artigo 226 da Lei Maior. É a preocupação com a família que levou o legislador a proteger o único imóvel utilizado como residência, os equipamentos e bens que a guarnecem, à margem da execução forçada, gravando-os com a impenhorabilidade.".
No entanto, o acórdão também destacou que "a referida lei de proteção ao bem de família não veda a alienação direta pelo proprietário do bem, eis que o produto da venda pode subsidiar a aquisição de outro bem igualmente protegido, e que melhor atenda o direito fundamental de moradia do embargante ou de sua família, preservando-se as condições fáticas que atraem a proteção legal".
Contudo, é importante destacar que o referido entendimento fixado pelo TRT1 não tem o condão de obrigar os demais Tribunais e juízes inferiores, uma vez que a decisão colegiada não é vinculante (não tem força de lei). Todavia, certamente é uma tendência a ser seguida por todos até mesmo para garantir segurança jurídica nas decisões prolatadas pelo Poder Judiciário, de modo a evitar com isso, a que chamamos de jurisprudência lotérica.
Em outra oportunidade, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) admitiu a retirada da cláusula restritiva de inalienabilidade para que uma mulher divorciada, com mais de 40 anos, vendesse o bem imóvel recebido em testamento para garantir o sustento de si e de sua filha menor diante do fato que estava desempregada havia mais de dois anos.
Nessa esteira, o que se extrai das decisões proferidas é uma tendência do Poder Judiciário relativizar o gravame, retirando as restrições quando comprovado que o bem imóvel gravado com cláusulas restritivas representa lesão aos legítimos interesses do beneficiário ou de terceiros que possuem créditos de natureza alimentar.
Com base nesta tendência de interpretação dos Tribunais Superiores é possível requerer em ação de execução de pensão alimentícia sob o rito da penhora que o crédito alimentar seja quitado com a alienação de imóvel com cláusula restritiva de penhora.
Isso ocorre porque a pensão alimentícia tem natureza alimentar, tal como o crédito trabalhista, ou seja, a pensão alimentícia é utilizada para subsistência da pessoa.
AVISO LEGAL: Este artigo fornece apenas informações genéricas e não pretende ser aconselhamento jurídico e não deve ser utilizado como tal. Se você tiver alguma dúvida sobre seus assuntos de direito de família, entre em contato com o nosso escritório.