O regime de bens, que norteia a partilha no divórcio, é o primeiro ponto que se deve analisar para discutir como se dará a partilha de bens de plano de previdência privada.
Se estamos a discutir a partilha de bens oriunda de um casamento regido pelo regime de separação total de bens, presume-se a incomunicabilidade da previdência privada.
No entanto, quando estamos a discutir a partilha de bens oriunda de um casamento regido pelo regime de comunhão parcial de bens a legislação e jurisprudência que cercam esta área se tornam complicadas.
Parte da doutrina e de juristas defendem que a previdência privada possui caráter personalíssimo e não tem natureza de aplicação financeira, razão pela qual não partilhável entre o casal.
Já para outra parcela da doutrina e de juristas defendem que a previdência privada pode ser equiparada a qualquer aplicação financeira, razão pela qual não há que se falar na sua incomunicabilidade na partilha de bens.
Para esses defensores, o dilema apontado encontra arrimo na desarrazoabilidade da natureza personalíssima da previdência privada, sob justificativa que o cônjuge que trabalha, mas não utiliza suas economias em patrimônio, seja privilegiado e suas reservas consideradas crédito pessoal e incomunicável.
Por exemplo, um casal tem uma renda mensal de R$ 10.000,00. O salário da mulher é R$ 5.000,00 e o salário do homem também é de R$ 5.000,00. As despesas mensais do casal são de R$ 8.000,00. A mulher disponibiliza R$ 4.000,00 e o marido também R$ 4.000,00. Sobra, portanto, R$ 1.000,00 para cada um dos cônjuges. O marido investe esse dinheiro (R$ 1.000,00) em uma previdência privada. A mulher, por sua vez, investe esse dinheiro em uma poupança. O regime de bens do casamento é o regime de comunhão parcial de bens.
Para aqueles que defendem que a previdência privada não entra na partilha de bens, no exemplo analisado a partilha dos bens ocorreria somente com o dinheiro que foi investido na poupança pela esposa.
Como se nota, essa situação parece injusta porque compromete o equilíbrio de todos os direitos e das obrigações familiares que tenham conteúdo econômico, daí o porquê de discutir a desarrazoabilidade dessa situação na medida que não se deve excluir da comunhão parcial a previdência privada adquirida durante a sociedade conjugal, sob pena de se desvirtuar a própria natureza do regime adotado pelo casal.
Para esses defensores, quando o acervo patrimonial é composto por ativos financeiros, contas bancárias, previdência privada, empresas ou pessoas jurídicas, ainda que no nome de somente um dos cônjuges, prevalece a presunção do esforço comum, a ensejar a divisão proporcionais de tais ativos.
Independentemente da posição doutrinada acima apresentada, quando se analisa a jurisprudência dos Tribunais, a partilha da previdência privada geralmente é condicionada ao tipo de previdência privada: aberta ou fechada.
A previdência privada fechada é um benefício oferecido pelo empregador a seus funcionários ou por entidades de classe a seus associados.
Os planos de previdência privada empresariais geralmente são patrocinados, ou seja, o empregador é coparticipante das contribuições.
A previdência privada aberta é aquela disponível ao cidadão. Ele contrata um plano (PGBL ou VGBL) por meio de uma instituição financeira ou seguradora.
Em setembro/2020, a terceira turma do STJ julgou um recurso no qual se discutiu se valor existente em previdência complementar privada aberta na modalidade VGBL deveria ser partilhado.
No referido julgado, restou estabelecido que os planos de previdência privada aberta se assemelham a um investimento ou aplicação financeira, razão pela qual devem ser partilhados.
O julgado destacou ainda que "Considerando que os planos de previdência privada aberta, de que são exemplos o VGBL e o PGBL, não apresentam os mesmos entraves de natureza financeira e atuarial que são verificados nos planos de previdência fechada, a eles não se aplicam os óbices à partilha por ocasião da dissolução do vínculo conjugal".
O julgado também destacou que a previdência privada aberta difere da fechada, pois a previdência privada fechada é fonte de renda semelhante às pensões, meio-soldos e montepios, de natureza personalíssima e equiparável, por analogia, à pensão mensal decorrente de seguro por invalidez.
Melhor explicando a diferença: "As entidades fechadas de previdência complementar, diferentemente das abertas (tema alheio aos autos), disponibilizam os planos de benefícios de natureza previdenciária apenas aos empregados de uma empresa ou grupo de empresas aos quais os empregados estão atrelados, sem se confundir, contudo, com relação laboral [...] o aporte é desvinculado do contrato de trabalho do participante [...] que afasta do conceito de salário o instituto da previdência privada.". [...] não faria sentido possibilitar a partilha do benefício, visto que o princípio nuclear da previdência complementar fechada é justamente o equilíbrio financeiro e atuarial".
Portanto, seguindo orientação da jurisprudência atualizada, a conclusão que se chega é a previdência privada aberta é partilhável em razão do divórcio cujo casamento foi regido pela comunhão parcial de bens, enquanto a previdência privada fechada não entra na partilha.
Esse entendimento sobre o plano de previdência privada na perspectiva familiar de uma pessoa casada também se aplica às pessoas que vivem em união estável.
Em abril/2021, o STJ destacou uma vez mais que a previdência aberta é aquela que qualquer pessoa pode buscar uma seguradora ou instituição financeira para realizar mensalmente contribuições financeiras visando uma renda extra no futuro, nas modalidades PGBL (Plano Gerador de Benefício Livre) ou VGBL (Vida Gerador de Benefício Livre).
Nesse sentido, por este tipo produto ser considerado uma aplicação financeira / investimento, ele deve entrar na partilha de bens de uma dissolução de união estável sob o regime de comunhão parcial de bens, pois a previdência privada aberta difere da previdência privada fechada , que é conhecida como um "fundos de pensão".
Em outras palavras: Na decisão analisada, o STJ assegurou à ex-companheira o direito à partilha de valores acumulados em previdência privada aberta pelo ex-companheiro.
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