Nos últimos anos, o status jurídico dos animais tem se transformado significativamente em diversos países. A França, em 2015, alterou o Código Civil para reconhecer os animais como seres sencientes, ou seja, seres vivos dotados de sensibilidade, deixando para trás a antiga classificação que os tratava como meros bens móveis.
Além da França, outros países europeus também seguiram essa linha. A Espanha, por exemplo, alterou sua legislação em 2021 para incluir os animais como seres sencientes, o que foi reforçado no Reino Unido em 2022, quando a Lei de Bem-Estar Animal (Senciência) entrou em vigor, exigindo que o governo considere o bem-estar dos animais em todas as políticas públicas.
Brasil: Animais e o Reconhecimento de Direitos
No Brasil, embora os animais ainda sejam tecnicamente considerados "bens móveis" pelo Código Civil, há uma crescente jurisprudência que trata os animais com base em sua senciência, especialmente no contexto familiar.
Nos últimos anos, a justiça brasileira tem reconhecido os animais de estimação como membros importantes das famílias, principalmente em casos de divórcio e dissolução de união estável.
Decisões judiciais têm admitido, por exemplo, a estipulação de regimes de convivência para animais de estimação, semelhantes aos direitos de visitação em relação a filhos menores. Esses regimes determinam que os animais podem alternar períodos com seus "tutores", de forma similar a uma guarda compartilhada.
Em 2018, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu em favor de um acordo judicial que estabelecia a convivência alternada de um cachorro após a separação de um casal. Essa decisão marcou um precedente importante no tratamento legal dos animais no país.
Além disso, o pagamento compartilhado de despesas relacionadas aos animais de estimação também tem sido aceito pela justiça. Em alguns casos, os juízes têm até mesmo determinado uma espécie de "pensão alimentícia" para cobrir os custos com alimentação, cuidados veterinários e outros gastos necessários para o bem-estar do animal.
Essas medidas evidenciam a mudança de percepção sobre os animais de estimação como seres passíveis de proteção legal e com necessidades que devem ser atendidas de forma justa e responsável.
Como os Proprietários de Animais Devem Agir em Situações de Divórcio?
Em contextos de divórcio ou dissolução da união estável, a jurisprudência já tem levado em consideração o fato de que os animais, assim como os seres humanos, desenvolvem laços afetivos e sofrem com a separação. Assim, o conceito de senciência é central para definir regimes de convivência que assegurem o bem-estar do animal.
Esse entendimento também traz à tona discussões sobre as responsabilidades dos tutores, que precisam garantir o bem-estar físico e emocional de seus animais, além de estarem sujeitos a sanções legais em casos de maus-tratos ou abandono.
Portanto, em um cenário de separação, é fundamental que o proprietário de um animal de estimação esteja ciente de que os tribunais brasileiros já estão mais abertos a considerar o bem-estar do animal e a relação afetiva entre ele e seus tutores.
Para facilitar a resolução desse tipo de conflito, o ideal é que o casal tente chegar a um acordo amigável sobre a guarda e as responsabilidades financeiras em relação ao animal.
Um advogado pode auxiliar na elaboração de termos claros de convivência e compartilhamento de despesas, prevendo, inclusive, situações futuras, como doenças ou mudança de residência de um dos tutores.
Caso um acordo não seja possível, a questão pode ser judicializada de forma litigiosa, e o juiz considerará não apenas a propriedade sobre o animal, mas também o interesse do bem-estar do mesmo, de forma análoga à guarda de menores.
Iniciativas Legislativas no Brasil
No Brasil, o reconhecimento legal da senciência animal está em constante debate, com avanços significativos, mas ainda com algumas inconsistências em relação à legislação federal, como o Código Civil, que trata os animais como bens móveis.
Enquanto isso, algumas leis municipais e decisões judiciais já reconhecem os animais como seres sencientes, criando uma nova realidade no cenário jurídico brasileiro.
Um dos principais movimentos no âmbito federal é o Projeto de Lei 27/2018, que visa alterar o Código Civil para reconhecer os animais como seres sencientes. Esse projeto de lei propõe a inclusão dos animais como "sujeitos de direito despersonalizados", ou seja, seres que possuem direitos inerentes, mas que não são equiparados a pessoas físicas ou jurídicas, corrigindo a visão atual de que os animais são simples objetos de propriedade.
No entanto, embora o Código Civil brasileiro ainda trate os animais como bens móveis, muitas legislações municipais, como a Lei Complementar nº 694/2012 de Porto Alegre, já os reconhecem como seres sencientes.
Isso cria um certo descompasso entre a legislação federal e as normas municipais, gerando um cenário em que, em determinados casos, os animais são tratados de forma muito mais protetiva.
Esse avanço legislativo é acompanhado por um crescente número de decisões judiciais que tratam os animais como membros da família, especialmente em casos de divórcio, onde o regime de convivência e até mesmo a divisão de despesas, como uma espécie de "pensão alimentícia" para animais de estimação, têm sido aceitos.
A proposta de alteração do Código Civil seria um marco importante para consolidar essa mudança de paradigma em todo o território nacional, alinhando o Brasil às normas europeias e promovendo uma proteção mais robusta aos animais.
Além do Projeto de Lei, ONGs e grupos de defesa dos animais desempenham um papel crucial na conscientização da sociedade e na pressão sobre o legislativo e o judiciário para a criação de leis mais rigorosas e abrangentes, visando garantir que os animais sejam tratados com respeito e dignidade.
Além disso, o Ministério Público tem desempenhado um papel ativo em ações de maus-tratos contra animais, baseando-se na Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98), que tipifica a crueldade contra animais como crime.
AVISO LEGAL: Este artigo fornece apenas informações genéricas e não pretende ser aconselhamento jurídico e não deve ser utilizado como tal. Se você tiver alguma dúvida sobre seus assuntos de direito de família, entre em contato com o nosso escritório.