Você já parou para pensar no que acontece com os animais de estimação em casos de divórcio ou separação? Embora sejam tratados como membros da família, quando o assunto chega ao tribunal, as regras nem sempre refletem essa realidade emocional.
Enquanto a legislação federal brasileira ainda classifica os animais como bens móveis, legislações estaduais e avanços científicos mostram um caminho diferente: o reconhecimento dos animais como seres sencientes, capazes de sentir emoções como alegria, tristeza e até amor.
Essa evolução no entendimento sobre os sentimentos dos animais desafia o direito a repensar suas práticas. Como devemos tratar a guarda de pets em processos de separação? Devem ser divididos como patrimônio ou protegidos de forma que seus laços afetivos sejam respeitados?
A seguir, exploramos os avanços da ciência, as legislações estaduais e os desafios práticos dessa questão tão atual.
Os Sentimentos dos Animais: Ciência Comprova o Que Sempre Intuímos
É comum ouvirmos que cães demonstram sentimentos como alegria, tristeza ou até saudade. Porém, o que antes era visto apenas como uma percepção popular, agora tem respaldo científico.
Pesquisas conduzidas por Gregory Berns, professor de neuroeconomia na Emory University, nos Estados Unidos, provaram que os cães possuem sentimentos semelhantes aos humanos.
Berns realizou um experimento pioneiro com seu próprio cão, Callie, utilizando um simulador de ressonância magnética para mapear as atividades cerebrais do animal em diferentes situações.
Ele descobriu que os cães utilizam a mesma região do cérebro humano para processar sentimentos, como prever situações prazerosas. Essa área foi ativada, por exemplo, quando Callie sentiu o cheiro de comida que gostava ou quando reencontrou seu dono após um curto período de separação. Esses resultados confirmam que os cães podem experimentar emoções como felicidade, raiva, amor e até depressão.
Esses achados reforçam a importância de reconhecer os animais como seres sencientes, dotados de sensibilidade emocional.
Legislação Federal: Animais como Propriedade
No Brasil, o Código Civil, em seu artigo 82, ainda classifica os animais como bens móveis, tratáveis como propriedade. Isso significa que, em processos de separação, eles podem ser considerados como parte do patrimônio do casal.
Contudo, essa visão tem sido desafiada por avanços científicos e legislativos que destacam o aspecto emocional e relacional dos animais.
Avanços em Legislações Estaduais: Reconhecimento de Seres Sencientes
Apesar da limitação federal, algumas legislações estaduais têm dado passos importantes no reconhecimento dos animais como seres sensíveis.
Em Minas Gerais, por exemplo, a Lei Estadual nº 22.231/2016 reconhece os animais como seres sencientes, capazes de experimentar emoções e sofrimento. No Rio Grande do Sul foi editada Lei Estadual nº 917/2021 que reconhece os animmais domésticos como seres sencientes, capazes de sentir sensações e sentimentos de forma consciente, possuindo natureza jurídica sui generis. E, em Goiás, a Lei nº 22.031/2023 segue a mesma linha, tratando cães e gatos como sujeitos de direitos despersonificados.
Um dos principais movimentos no âmbito federal é o Projeto de Lei 27/2018, que visa alterar o Código Civil para reconhecer os animais como seres sencientes. Esse projeto de lei propõe a inclusão dos animais como "sujeitos de direito despersonalizados", ou seja, seres que possuem direitos inerentes, mas que não são equiparados a pessoas físicas ou jurídicas, atualiando, portanto, o conceito estabelecido na legislação federal de que os animais são simples objetos de propriedade.
Se aprovado, o Projeto de Lei nº 27/2018 trará uma transformação significativa na maneira como os animais de estimação são tratados pela lei brasileira. Ao reconhecer os animais como seres sencientes e sujeitos de direitos, o projeto permitirá que decisões judiciais considerem o bem-estar dos pets como prioridade, promovendo maior alinhamento entre as práticas jurídicas e os avanços científicos.
Implicações Práticas na Guarda de Animais em Casos de Separação
Com o avanço do reconhecimento dos animais como seres sencientes, muitos juízes têm adotado abordagens inovadoras ao decidir sobre a guarda de pets. Em alguns casos, opta-se por um regime de guarda compartilhada, priorizando o bem-estar emocional do animal e seu vínculo afetivo com os membros da família.
Vejamos dois exemplos em que a decisão judicial priorizou o bem-estar do animal e seu vínculo afetivo com ambos os donos.
GUARDA E VISITAS DE ANIMAL DOMÉSTICO – REGULAMENTAÇÃO – LIMINAR DEFERIDA EM PARTE PARA AUTORIZAR A VISITAÇÃO DO AUTOR COM RETIRA DO ANIMAL DIA 20, ÀS 18H, E DEVOLUÇÃO DIA 30, ÀS 18H, DE CADA MÊS – IRRESIGNAÇÃO DA EX-COMPANHEIRA - OMISSÃO LEGISLATIVA SOBRE A RELAÇÃO AFETIVA ENTRE PESSOAS E ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO - APLICAÇÃO ANALÓGICA DO INSTITUTO DA GUARDA DE MENORES – INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 4º E 5º DA LINDB - INEXISTÊNCIA DE INDÍCIOS DE QUE O AUTOR SEJA NEGLIGENTE EM RELAÇÃO AOS CUIDADOS DE QUE O ANIMAL NECESSITA – VÍNCULO AFETIVO DEMONSTRADO, A PRINCÍPIO, COM AS FOTOGRAFIAS - DIREITO DE CONVÍVIO - DECISÃO MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO (TJ-SP - Agravo de Instrumento: 2006125-47.2023.8.26.0000 Caraguatatuba, Relator: Theodureto Camargo, Data de Julgamento: 28/02/2023, 8ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 28/02/2023)
(...) É possível a aplicação analógica das disposições referentes à guarda contidas no Código Civil para regulamentar a custódia de animais domésticos, em observância ao que dispõe o artigo 4º da Lei de Introdução das Normas do Direito Brasileiro, visando tutelar a relação de afeto humano-animal. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. 4- Verificado que ambas as partes nutrem grande afeto para com o animal doméstico e lhe dispensam os cuidados devidos, na ausência de maus tratos, não há óbice para que exercício da custódia ocorra de forma alternada, solução que melhor equaciona os direitos iguais dos proprietários relativos à convivência com seu animal de estimação. (TJ-MG - Apelação Cível: 5002213-48.2020.8.13.0035, Relator: Des.(a) Francisco Ricardo Sales Costa (JD Convocado), Data de Julgamento: 08/03/2024, Câmara Justiça 4.0 - Especiali, Data de Publicação: 11/03/2024)
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