Quando uma pessoa falece, inicia-se o processo de sucessão, e a herança é transmitida automaticamente aos herdeiros legítimos e testamentários.
O reconhecimento da paternidade póstuma, apesar de ocorrer após a morte do autor da herança, assegura direitos importantes ao filho, como o acesso à herança do falecido.
No Brasil, o direito sucessório é orientado pelos princípios da dignidade da pessoa humana e da isonomia, garantidos pela Constituição Federal, que asseguram que todos os filhos, independentemente de serem havidos dentro ou fora do casamento, possuem os mesmos direitos.
Exemplo Prático:
Imagine que João e Maria são casados sob o regime de comunhão parcial de bens. Durante o casamento, eles adquiriram um imóvel e uma aplicação financeira de R$ 100.000,00. João falece sem deixar testamento, filhos e não tinha dívidas. Seus pais também faleceram.
Neste cenário, Maria, a viúva, tem direito à meação de 50% dos bens adquiridos durante o casamento, ou seja, 50% do imóvel e da aplicação financeira, por conta do regime de bens estabelecido no casamento.
O restante dos bens, ou seja, os outros 50%, constitui a herança de João, que deve ser partilhada entre os herdeiros, que no caso será somente a esposa, pois João não tinha filhos ou genitores vivos.
Agora, consideremos que João e Maria tiveram um filho, Pedro, durante o casamento. Nesse caso, Maria ficará com a meação de 50% dos bens, e Pedro herdará os outros 50% (25% do imóvel e 25% da aplicação financeira). Esse é o cenário típico de herança em uma sucessão legítima.
No entanto, imagine que João teve um relacionamento extraconjugal com Paula, do qual nasceu Matheus, mas João nunca o registrou como filho. Matheus cresceu sem o nome do pai na certidão de nascimento e, só na fase adulta, descobriu sua origem. Após a morte de João, Matheus entende que tem direito a buscar o reconhecimento da paternidade e, consequentemente, a sua parte na herança deixada por João.
Como Funciona a Paternidade Póstuma e a Reserva de Quinhão:
Nos casos de investigação de paternidade após a morte do autor da herança, a reserva de quinhão é um mecanismo utilizado para garantir que os direitos do suposto herdeiro sejam resguardados até o julgamento da ação, como no caso de Matheus, impedindo que os bens sejam partilhados sem que o suposto filho tenha sua possível cota assegurada.
Nessa hipótese, Matheus pode ajuizar uma ação de investigação de paternidade póstuma para ter seu nome reconhecido como filho de João, ainda que a paternidade não tenha sido formalizada em vida. A partir dessa ação, ele pode pleitear sua parte na herança, que inclui o imóvel e a aplicação financeira deixados por João.
No curso do inventário, o tribunal pode determinar a reserva de quinhão, que significa reservar uma parte da herança até que a questão da paternidade seja resolvida.
Isso garante que, caso Matheus seja reconhecido como filho de João, ele tenha direito à sua parte legítima, sem que os bens sejam dilapidados ou distribuídos de forma irreversível antes do término do processo.
No nosso exemplo, se a ação de investigação de paternidade for procedente, Matheus será reconhecido como filho de João e terá direito a parte da herança. A divisão final dos bens será a seguinte:
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Maria, como meeira, receberá 50% dos bens (1/2 do imóvel e 1/2 da aplicação financeira).
- Pedro e Matheus, como filhos legítimos, dividirão os 50% restantes. Assim, cada um herdará 25% dos bens (1/4 do imóvel e 1/4 da aplicação financeira).
Essa divisão assegura que Matheus, mesmo não reconhecido em vida por João, tenha acesso à sua parte da herança após o reconhecimento da paternidade póstuma, mantendo o princípio constitucional da igualdade entre filhos, independentemente de sua origem.
Jurisprudência Relevante:
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), no recurso de Agravo de Instrumento (Nº 1.0000.19.061856-1/001), reconheceu o direito de um suposto filho, em ação de investigação de paternidade póstuma, ter um quinhão da herança reservado até a conclusão do processo.
De acordo com o relator do caso, "nada impede que seja reservado quinhão em favor do suposto filho nos autos do inventário, até a resolução da questão investigatória de paternidade, uma vez que lhe pode ser atribuída a condição de herdeiro, caso procedente o pedido".
Essa decisão reflete o entendimento que tem se tornado cada vez mais consolidado de que, para garantir a isonomia e a dignidade dos herdeiros, a reserva de quinhão se mostra fundamental nesses casos.
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