Art. 19. É direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral.
Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.
O abandono afetivo, em resumo, quer dizer ausência dos deveres de sustento, guarda e educação do pai ou da mãe na vida do filho. Em outras palavras, o genitor abdica de participar da educação, criação e do desenvolvimento da prole, em violação aos artigos supracitados.
Existe, portanto, no caso concreto, um rompimento abrupto entre a criança e o genitor.
E esse tipo de comportamento praticado pelo genitor viola o superior interesse da criança, segundo entendimento do STJ no julgado disponibilizado na imprensa oficial desta instituição, em fevereiro/2022:
"(...) se a parentalidade é exercida de maneira irresponsável, negligente ou nociva aos interesses dos filhos, e se dessas ações ou omissões decorrem traumas ou prejuízos comprovados, não há impedimento para que os pais sejam condenados a reparar os danos experimentados pelos filhos, uma vez que esses abalos morais podem ser quantificados como qualquer outra espécie de reparação moral indenizável."
Nesse julgado destacado na imprensa oficial do Superior Tribunal de Justiça, a terceira turma do STJ condenou o pai a pagar à filha uma indenização de R$ 30.000,00.
No entanto, o tema abandono afetivo ainda causa divergência entre os operadores do direito, pois uma parcela de juristas entende que não haveria como quantificar a dor decorrente da falta de amor ou cuidado no âmbito da relação parental, razão pela qual não seria possível fixar uma indenização por danos morais. Jurisprudência sobre o tema:
INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. ABALO EMOCIONAL PELA AUSÊNCIA DO PAI. 1. O pedido de reparação por dano moral é juridicamente possível, pois está previsto no ordenamento jurídico pátrio. 2. A contemplação do dano moral exige extrema cautela e a apuração criteriosa dos fatos, ainda mais no âmbito do Direito de Família. 3. O mero distanciamento afetivo entre pais e filhos não constitui, por si, situação capaz de gerar dano moral, nem implica ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana, e constitui antes um fato da vida. 4. Embora se viva num mundo materialista, nem tudo pode ser resolvido pela solução simplista da indenização, pois afeto não tem preço, e valor econômico nenhum poderá restituir o valor de um abraço, de um beijo, enfim de um vínculo amoroso saudável entre pai e filho, sendo essa perda experimentada tanto por um quanto pelo outro, não se vislumbrando no caso nenhuma conduta ilícita ou reprovável do genitor. Recurso desprovido.
(TJ-RS - AC: 70082292574 RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Data de Julgamento: 16/12/2019, Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: 17/12/2019)
De todo modo, se seu filho é vítima de abandono afetivo e você tem interesse em contratar um advogado para ajuizar uma ação de abandono afetivo, atente-se ao prazo prescricional, pois se o filho for maior de idade, o direito para ajuizar ação prescreve em 3 anos, por força do artigo 206, §3º, V, do Código Civil. Ultrapassado esse prazo, o filho abandonado não tem mais direito para ajuizar esse tipo de ação contra o genitor. Jurisprudência sobre o tema:
APELAÇÃO CÍVEL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CONDENATÓRIA. DANOS MORAIS. ABANDONO AFETIVO. PRESCRIÇÃO. EXTINÇÃO NA ORIGEM. PRETENSÃO INDENIZATÓRIA. ABANDONO AFETIVO. REGRAMENTO. PRAZO E TERMO INICIAL. CONSUMAÇÃO. EXTINÇÃO COM MÉRITO. ACERTO. O prazo prescricional aplicável à pretensão condenatória decorrente de alegado abandono afetivo é, se consumado seu termo inicial na vigência do Código Civil de 1916, de 20 (vinte) anos, e, se em vigor o Código Civil de 2002, de 3 (três) anos, respeitadas as regras de direito intertemporal, tendo por termo inicial, em regra, a data em que o filho atinge a maioridade/emancipação, pois não corre a prescrição entre ascendentes e descendentes durante o poder familiar. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. ( TJSC ; AC 0301001-12.2015.8.24.0087; Lauro Muller; 5ª Câmara de Direito Civil; Rel. Des. Henry Petry Junior; DJSC 12/05/2017; p. 124).
Além disso, no âmbito das relações familiares, para a configuração da responsabilidade civil, no caso de abandono afetivo, deve ficar comprovada a conduta omissiva ou comissiva do genitor, quanto ao dever jurídico de cuidado com o filho, bem como o dano, caracterizado pelo transtorno psicológico sofrido e o nexo causal entre o ilícito e o dano suportado.
E uma vez configurada a responsabilidade civil por abandono afetivo, a indenização não pode ser entendida como uma espécie de 'salvo-conduto' para o genitor, com vistas a permitir o completo distacionamento do filho a partir do pagamento da indenização. Nesse sentido, uma Jurisprudência do Poder Judiciário do Acre discorre sobre o tema:
(...) Por não estarmos diante de algo consolidado, já estabelecido, a presente ação deve servir muito mais ao propósito de chamar a atenção do genitor distante para a importância de buscar contato, num primeiro momento, e convívio, num segundo, com o seu filho, do que apenas a busca de uma reparação pecuniária por conta da ausência paterna.
Digo isso porque essa ação não pode ser entendida como uma espécie de "salvo-conduto" ao réu, a lhe permitir o completo distanciamento do filho a partir do pagamento de uma indenização.
A partir do presente julgamento, deve o genitor demonstrar efetivo interesse em conviver com o infante, interessando-se por todas as coisas relacionadas com este, sobremodo a sua saúde, bem-estar, educação, lazer, alimentação e outros. Da mesma forma, não pode haver qualquer tipo de tolerância para com eventuais e abjetos atos de alienação parental por parte da genitora do adolescente, devendo ela contribuir e respeitar o vínculo emocional que será construído por ambos,sem obstáculos ou interferências.
Reitero que o olhar deve ser para o futuro, para um novo tempo de estreitamento de laços, e não para as diferenças do passado.
Por essas razões, a indenização não pode ser um fim em si mesma, de sorte que, no caso dos autos, deve servir muito mais como um alerta ao genitor ausente para que se aproxime do seu filho. De outra banda, não pode ser entendida como uma espécie de premiação à mãe que pratica atos de alienação parental.
(TJ-AC - APL: 07031014120168010001 AC 0703101-41.2016.8.01.0001, Relator: Regina Ferrari, Data de Julgamento: 23/06/2020, Segunda Câmara Cível, Data de Publicação: 25/06/2020)
AVISO LEGAL: Este artigo fornece apenas informações genéricas e não pretende ser aconselhamento jurídico e não deve ser utilizado como tal. Se você tiver alguma dúvida sobre seus assuntos de direito de família, entre em contato com o nosso escritório.