É sabido que toda ação judicial tem um determinado custo inicial para propositura da ação. Este custo é aferido pelo valor da causa e cada Tribunal de Justiça tem autonomia para deliberar / fixar os valores de custas e despesas do processo.
Dito isso, vamos a um exemplo: Ação de pensão alimentícia em que o autor requer a fixação da pensão alimentícia em R$ 1.000,00. Nesta hipótese o valor da causa será de R$ 12.000,00 (12 x o valor da pensão requerida de R$ 1.000,00).
Se a ação fosse proposta no estado de São Paulo, na cidade de São Paulo, em abril/2021, o autor da ação teria que desembolsar R$ 145,45 de taxa judiciária, R$ 23,28 de mandato judicial e R$ 87,27 para citação da parte contrária por oficial de justiça.
As despesas iniciais para ajuizamento de uma ação de alimentos em São Paulo seriam de R$ 256,00.
Se a mesma ação fosse proposta no estado de Sergipe, em abril/2021, o autor da ação teria que desembolsar mais de R$ 700,00.
Uma ação de divórcio com partilha de bens no valor de R$ 500.000,00 proposta na cidade de São Paulo, em abril/2021, o autor desembolsaria R$ 3.019,65.
Além disso, ao longo de qualquer processo judicial também existem despesas processuais.
Exemplos: requerimentos para consulta via sistema BACENJUD, RENAJUD, INFOJUD, comumente utilizado em ações de alimentos, devem ser pagos pelo interessado. Do mesmo modo, perícia contábil para aferir a dívida alimentar, nas ações de execução de pensão alimentícia.
Ações que versam sobre guarda judicial de filhos ou interdição de pessoa incapaz exigem, via de regra, perícia com profissionais da saúde e assistentes sociais. O trabalho exercido por esses profissionais também devem ser pago pelo interessado.
Para se ter uma ideia de valores, em ação de disputa de guarda sobre filhos, peritos nomeados, cadastrados no portal de Auxiliares da Justiça, geralmente cobram valores superiores a R$ 5.000,00 para realizar a perícia.
Já uma perícia feito por um médico do IMESC em ação de interdição, os honorários periciais são de quase R$ 1.000,00.
Um exame de DNA também realizado pelo IMESC em ação de investigação de paternidade é superior a R$ 600,00.
E ao final do processo, a parte que perdeu a ação ainda é obrigada a pagar honorários de sucumbência ao advogado da parte contrária, que varia entre 10% e 20% do valor da causa. Isto é, se o valor da causa é de R$ 500.000,00, significa dizer que os honorários de sucumbência podem ser fixado em até R$ 100.000,00.
Se a parte quiser recorrer da sentença para o Tribunal de Justiça realizar o reexame das decisões judiciais, o interessado também paga por isso e, se perde o recurso, os honorários de sucumbência do advogado também são majorados, limitando-se a 20% do valor da causa, conforme previsão legal.
Do exposto, é possível compreender que ajuizar uma ação de família, ou seja, movimentar a máquina do Poder Judiciário para fazer valer o seu direito ou, pelo menos, discutir a viabilidade jurídica daquilo que se pleiteia é caro, muito caro.
No entanto, a Constituição Federal reconhece como direito fundamental que todos os cidadãos tenham acesso ao Poder Judiciário e à Justiça.
E, ao disciplinar o tema na legislação federal, estabeleceu-se a possibilidade do cidadão pleitear justiça gratuita para si.
Nessa esteira, a gratuidade da justiça compreende:
1) as taxas ou as custas judiciais;
2) os selos postais;
3) as despesas com publicação na imprensa oficial, dispensando-se a publicação em outros meios;
4) a indenização devida à testemunha que, quando empregada, receberá do empregador salário integral, como se em serviço estivesse;
5) as despesas com a realização de exame de código genético - DNA e de outros exames considerados essenciais;
6) os honorários do advogado e do perito e a remuneração do intérprete ou do tradutor nomeado para apresentação de versão em português de documento redigido em língua estrangeira;
7) o custo com a elaboração de memória de cálculo, quando exigida para instauração da execução;
8) os depósitos previstos em lei para interposição de recurso, para propositura de ação e para a prática de outros atos processuais inerentes ao exercício da ampla defesa e do contraditório;
9) os emolumentos devidos a notários ou registradores em decorrência da prática de registro, averbação ou qualquer outro ato notarial necessário à efetivação de decisão judicial ou à continuidade de processo judicial no qual o benefício tenha sido concedido.
Portanto, a justiça gratuita é um benefício concedido as pessoas com insuficiência de recursos para pagar as custas, despesas do processo e honorários advocatícios de sucumbência.
Nesse sentido, uma vez deferido os benefícios da justiça gratuita, via de regra, a pessoa não precisará pagar custas, despesas do processo e honorários advocatícios.
Digo "via de regra" porque é possível mitigar o deferimento da justiça gratuita, ou seja, invés de deferir a justiça integral gratuita, o juiz estabelece a gratuidade sobre apenas alguns atos.
O juiz também poderá conceder direito ao parcelamento de despesas processuais que o interessado tiver de adiantar no curso do procedimento. Igualmente, o juiz pode diferir o pagamento, ou seja, permitir que tudo seja pago ao final do processo.
Não existe um parâmetro objetivo na lei federal para aferir se a pessoa é hipossuficiente, presumindo verdadeira a alegação de insuficiência deduzida pelo interessado.
No entanto, alguns juízes estabelecem critérios objetivos baseados nos requisitos utilizados pela Defensoria Pública para atender pessoas com insuficiência de recursos.
No estado de São Paulo, por exemplo, a Defensoria Pública do Estado estabelece como regra análise da renda familiar, patrimônio e gastos mensais. Sendo que, em geral, são atendidas pessoas com renda familiar de até 3 salários mínimos por mês.
Ocorre que este critério objetivo utilizado por alguns juízes, ao que parece, viola a própria essência do direito ao cidadão ter acesso à justiça, pois a lei, ao lançar a expressão "insuficiência de recursos" refere-se à carência financeira, independentemente, portanto, da condição econômica de pobreza ou miserabilidade da parte.
Nessa ordem de ideias, quando o necessitado arcando com os gastos necessários do processo, seja impedido de ter acesso às necessidades básicas, tais como moradia, alimentação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social como prescreve a Constituição Federal , o cidadão deve ser agraciado pela gratuidade da justiça para que tenha direito constitucional e processual de ação, segundo ensina a doutrina de Maurício Vidigal em livro sobre o tema.
Portanto, segundo a doutrina, o acesso ao benefício se relaciona com a indisponibilidade financeira do hipossuficiente, ainda que momentânea.
Os parâmetros norteadores de três salários-mínimos utilizados para deferimento da justiça gratuita por alguns juízes, com a devida venia, não podem ser utilizados como únicos critérios objetivos para aferir a hipossuficiência pleiteada, pois desta forma, ao que parece, o critério utilizado vai contra a vontade do legislador, na medida em que se impõe barreiras ao acesso efetivo à justiça.
Nessa esteira, Fredie Diddier Jr. e Rafael Alexandria de Oliveira, em obra sobre o tema, destacam: "É possível que uma pessoa natural, mesmo com boa renda mensal, seja merecedora do benefício, e que também o seja aquele sujeito que e proprietário de bens imóveis, mas não dispõe de liquidez. A gratuidade judiciaria é um dos mecanismos de viabilização do acesso à justiça; não se pode exigir que, para ter acesso à justiça, o sujeito tenha que comprometer significativamente a sua renda, ou tenha que se desfazer de seus bens, liquidando-os para angariar recursos e custear o processo. A lei não fala em números, não estabelece parâmetros. O sujeito que ganha boa renda mensal pode ser tão merecedor do benefício quanto aquele que sobrevive às custas de programas de complementação de renda [...]"
Nesse sentido, seguindo a ordem de ideias apresentada no qual se utiliza como critério objetivo tão somente recebimentos inferiores a 3 salários-mínimos para recebimento da benesse, temos que um jovem que viva com os pais, os quais provêm o seu sustento, moradia e estudo, e que ganhe um ou dois salários-mínimos que não são utilizados em qualquer despesa essencial para o seu sustento, pode ser considerado beneficiário da justiça gratuita.
Ao passo que um chefe de família, que tenha filhos em idade escolar, mesmo recebendo o equivalente a 5 salários-mínimos pode não ter condições de arcar com as custas, despesas do processo e honorários de advocatícios, mas de acordo com o raciocínio lógico com base no critério objetivo de 3 salários-mínimos, o chefe de família será obrigado a suportar as custas, despesas do processo e honorários de advogado, mesmo sem ter a mínima condição financeira.
Portanto, a concepção de deferimento da justiça gratuita que observe tão somente os rendimentos mensais da pessoa que pleiteia a justiça gratuita, ao que parece, esbarra na política pública de acesso pleno a justiça por todos os cidadãos.
Nessa esteira, uma vez indeferido o pedido de justiça gratuita pelo juiz de primeiro grau, imprescindível que se leve essa discussão para as instâncias superiores em busca da reforma da decisão do juiz de primeiro grau, por medida de justiça.
Pois, do contrário, estamos a enfraquecer um direito de constitucional de acesso à Justiça, na medida que esta pessoa poderá desistir de ajuizar uma ação familiar por não ter condições de suportar as custas, despesas do processo e honorários de sucumbência.
Em última análise, o que se verifica nesses casos é a impossibilidade de se discutir a viabilidade jurídica daquilo que o autor pleiteia logo na largada, o que demonstra um contrassenso com o escopo constitucional que garante acesso à Justiça por todos os cidadãos.
AVISO LEGAL: Este artigo fornece apenas informações genéricas e não pretende ser aconselhamento jurídico e não deve ser utilizado como tal. Se você tiver alguma dúvida sobre seus assuntos de direito de família, entre em contato com o nosso escritório.