A interdição judicial é ato judicial no qual se declara a incapacidade de uma pessoa para a prática de determinados atos da vida civil.
O objetivo da interdição é proteger a pessoa com deficiência em seus interesses no que compete a gestão de seu patrimônio e cuidados pessoais.
Nesse sentido, um curador, preferencialmente familiar, será nomeado com as devidas atribuições estabelecidas pelo juiz (que fixará os limites da curatela, considerando as características pessoais do interdito, observando suas potencialidades, habilidades, vontades e preferências) para exercer as atividades acima mencionadas para proteger a pessoa incapaz.
A legislação aponta primeiramente ao cônjuge ou companheiro o exercício da curatela e, na falta desses, os pais ou descendentes com maior aptidão, preferindo os mais próximos aos mais remotos.
(Código Civil) Art. 1.775. O cônjuge ou companheiro, não separado judicialmente ou de fato, é, de direito, curador do outro, quando interdito.
§1 o Na falta do cônjuge ou companheiro, é curador legítimo o pai ou a mãe; na falta destes, o descendente que se demonstrar mais apto.
§ 2 o Entre os descendentes, os mais próximos precedem aos mais remotos.
§ 3 o Na falta das pessoas mencionadas neste artigo, compete ao juiz a escolha do curador.
Inexistindo essas pessoas ou se o ente familiar se encaixar em algumas das exceções que o eximem da solidariedade familiar em prestar apoio à pessoa incapaz, o juiz poderá escolher um terceiro para o exercício da interdição.
Os motivos previstos em lei no qual se admite a escusa da pessoa nomeada como curador da pessoa incapaz são:
(Código Civil) Art.1736 (...)
I - mulheres casadas;
II - maiores de sessenta anos;
III - aqueles que tiverem sob sua autoridade mais de três filhos;
IV - os impossibilitados por enfermidade;
V - aqueles que habitarem longe do lugar onde se haja de exercer a tutela;
VI - aqueles que já exercerem tutela ou curatela;
VII - militares em serviço.
De todo modo, como se nota, a primeira interpretação que se faz da lei é que a família do interdito deverá proteger a pessoa incapaz e, somente na falta desses ou o ente familiar se encaixar em algumas das exceções previstas em lei que o desobrigam desse encargo, a lei autoriza a nomeação de um terceiro para o exercício da curatela em favor da pessoa interdita.
No entanto, um julgado da 2ª Vara da Família e Sucessões da Comarca de São Carlos, de forma inédita, trouxe à baila a relativização da ordem de preferência de nomeação do curador entendendo que é plenamente possível o filho se recusar a ser curador do genitor, sem que para isso, a recusa se encaixe nas exceções previstas em lei.
Na prática, houve uma relativização dos motivos previstos em lei que admitem escusa do curador nomeado para o exercício da curatela.
No processo analisado, consta que a filha se recusou a assumir a incumbência de curadora do pai sob o argumento de que ela foi abandonada pelo genitor quando era criança e, no curto período em que conviveu com ele, sofreu diversas agressões.
Consta ainda nos autos que o homem é interditado e dependente de auxílio permanente. Suas duas irmãs são as curadoras, mas uma delas ingressou com ação para se desobrigar do encargo, pois em breve viajará para o exterior. Para tanto, indicou a permanência da cocuradora ou a inclusão da filha do curatelado – esta, no entanto, se recusou a assumir o encargo sob o argumento de que foi abandonada pelo genitor.
De acordo com o juiz, o laudo social comprovou a falta de relação entre o curatelado e a filha. Já o laudo psicológico apontou sofrimento emocional da mulher, traumatizada pelo comportamento negligente e violento do pai.
Nessa esteira, o juiz fundamentou sua decisão reconhecendo que a escusa para nomeação da filha como curadora merecia era válida para que ela não fosse nomeada para o referido encargo:
(...) Assim, ainda que seja filha do curatelado, tal como não se pode obrigar o pai a ser pai, não se pode obrigar o pai a dar carinho, amor e proteção aos filhos, quando estes são menores, não se pode, com a velhice daqueles que não foram pais, obrigar os filhos, agora adultos, a darem aos agora incapacitados amor, carinho e proteção, quando muito, em uma ou em outra situação, o que se pode é obrigar a pagar pensão alimentícia”, escreveu o magistrado em sua decisão. (...)
Link da noticia: TJSP: Justiça decide que filha agredida e negligenciada na infância pode se recusar a ser curadora do pai
Na minha opinião, a decisão do juiz foi acertada, na medida que o afeto se tornou um valor jurídico.
Nesse sentido, em que pese a Constituição Federal determine, de forma imperativa, que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, a interpretação do texto constitucional não pode ser isolada, devendo ser considerada a interpretação do ordenamento jurídico como um todo, daí porque a ordem de nomeação do curador pode ser relativizada.
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